segunda-feira, 23 de março de 2009

O contador de "estórias"

Ao João Soares, mestre e companheiro de incontáveis serões.

Havia um amigo comum e foi por essa via que eu e o “contador de estórias” chegámos à fala.Das conversas simples passámos à discussão de temas importantes (ou nem por isso…).
Debatemos ideias e encontramos pontos comuns no modo como nos revemos na comunidade.Se nos entendemos nos ideais, naturalmente procuramos nos “bons costumes” o equilíbrio entre a “sabedoria a força e a beleza” dos nossos actos. Infelizmente, continuamos a “anos-luz” da “perfeição”, mas acreditamos que virá “um tempo de amor e fraternidade total” para que se cumpra o vaticínio do tal amigo comum: Fernando Vale.
O “meu contador de estórias” tem tanto de desportista como de boémio, mas não são apenas as memórias desses tempos, com o requinte do pormenor, que fazem de si a melhor das companhias numa tertúlia ao serão…Como gestor e autarca, recolheu fama de “pessoa séria, competente e rigorosa”. Agora, diz ter atingido a “reforma sem vencimento”, e fica longe dos encómios, de modo próprio.Para mim, basta que remexa nas suas lembranças - fico de imediato preso às circunstâncias de cada momento vivido na irreverência da juventude, mas não desdenho uma boa “estória” dos seus tempos de homem feito.Aprecio, sobretudo, a brejeirice com que envolve cada conto, talvez pelas gargalhadas que arranca à plateia da qual faço parte. Gabo-lhe o talento.
Peço-lhe para rabiscar as memórias, e a resposta vem sempre a meias com um sorriso, que não, “são coisas minhas” – diz.Perante isto, “ameaço-o” de gravar os seus contos, à socapa, e um dia ainda vou enricar à sua custa – garanto-lhe!
O meu amigo e “contador de estórias” volta a sorrir, sorri sempre, porque está de bem com a vida e consigo próprio.….

Possivelmente...


É tarde nesta madrugada que tem quase horas de sol.Medito sobre as conclusões que vêm em catadupa.
Frágil, o espírito parece que dói.
O corpo gasta-se pelo peso das luas cheias, sempre redondas.
A minha fortuna é tempestade do que sou em constante desalinho.
Entre o pouco e o nada, fico sonhador do que não fui capaz, teimoso e irreverente, submisso às vezes – apaixonado, sempre!
Penhoro a palavra que fica entre a honra e a safadeza, numa tentativa de adivinhação de uma noite de carícias e desejos, sem pecado nem mácula.
Faço leilão de mim, mas guardo um cordão de prata fina que me prende ao desconhecido da alma.
Se há desafortunada existência, então o pensamento continuará em viagem com destino incerto.
Possivelmente, não chegarei ao fim da caminhada a que me proponho.
Possivelmente…

O retrato


Tenho um retrato de mim à vista, mas não me reconheço quando o fito, pausadamente ou de forma fugidia. Nos traços do rosto não há sinais de caminhadas e nas pupilas não vislumbro lampejos de felicidade; até o meio sorriso pouco diz…
Houve um tempo de balanço, quando as esperanças definharam, com resultados positivos. Agora, se desnudo a alma e a deixo por aí, carpindo mágoas e mendigando gestos de afagos, fico sem saber quem sou, quem fui, e quanto ao dia seguinte, não vislumbro mudança de opinião – apenas a expectativa do que possa suceder entre a manhã e a madrugada, faz com que fique atento.
Se o retrato pouco diz (?) e a alma inquieta não veste sinais de esperança, que farei com este corpo?As palavras, arranco-as do mais recôndito refúgio e espalho-as por aí, a esmo - talvez alguma germine em terra árida, fecundando-a de emoções, embora tardias…
Perante as dúvidas do ego, decido-me pela descoberta do outro “eu”, ao espelho, mas não vejo o cordão umbilical que me amarra à vida.Terei passado ao Oriente Eterno? Se assim é, o corpo, que não tinha utilidade visível, está no sítio certo – o tempo se encarregará de apagar das memórias as minhas coisinhas miúdas, e talvez ganhe rótulo de “bom sujeito”, mas pouco lúcido.
A alma, quero-a imortal, sem lembranças do último adeus.

Arre-burro


Que eu saiba, há, pelo menos, um burro de quatro patas que passa debaixo da minha janela, arrastando ronceiramente uma carroça, velha como ele, o burro.
Se o dono tivesse acompanhado o progresso, por certo a carroça teria rodas com amortecedores e pneumáticos, mas como não tem, acordo logo pela manhã, bem cedo, com um barulho sem melodia; não sei onde começa, mas vem de longe, e vai chegando perto, mais perto, sempre mais perto!
Saint-Exupéry, no "Principezinho", é muito mais romântico quando imagina a felicidade da raposa:
-"... Por exemplo, se vieres às quatro horas, às três, já eu começo a estar feliz.E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sinto...".
Por mim, não posso ser como a raposa, ansioso pela carroça, que o burro puxa sem pressas, numa hora madrugadora para quem se deita sempre no dia seguinte.
O ruído das rodas, revestidas a aço, como chegou também desapareceu: devagar, mais distante, e perde-se no silêncio. Depois de encontrar o jeito, volto a adormecer. Interromper o sono com gosto, só quando a Filarmónica vem, estrada abaixo (a banda de música, que me lembre, nunca subiu, sempre desceu a minha rua…), a tocar uma marcha, mais uma menos afinada, com os "pratos" e o bombo a sobressairem dos clarinetes e da requinta, por vezes dos contrabaixos - só as trompetes lhes fazem frente, mas nem sempre!Duas vezes no ano, é certo e sabido que tenho a Filarmónica debaixo da minha janela num simpático cumprimento de "bons dias", e aí sim, gosto do som que vem de longe, na minha mente, acordo devagar, e delicio-me. Se regresso ao sono, as voltas nos lençóis são suaves, e aos sonhos também...
O sossego da noite, na minha aldeia, não tem preço; o vento, quando vem, sopra de modo diferente nas "portadas" das janelas e a chuva parece acariciar os cocurutos das árvores. O Sol, se eu quiser, beija-me o rosto através da janela. Como os vizinhos moram mais para os lados, não fazem sombra nem barulho, o que, convenhamos, é uma bênção dos céus.
O burro, ao fim da tarde, larga a carroça perto do aconchego do curral; posso contar pelos dedos de uma mão as outras viaturas com motor que passam debaixo da minha janela. A pé, são poucos os viajantes que se fazem ao caminho, o que não abona o censo da última década.
Estava a cogitar sobre todas estas vantagens que a minha aldeia me proporciona, e sou invadido por um arrepio, da cabeça à ponta do dedo grandão do pé.
- Ups… de onde vem isto? – pensei, tremelicando..
Ah, a solidão de quem passa dia após dia ouvindo o silêncio da minha rua e das outras ruas, quase desertas de vida, e o medo que me apoquenta quando me imagino naquele casarão, sozinho, um dia…
O burro, pela lógica da (sua) vida, mais cedo ou mais tarde, entrega a alma ao Criador; a Banda Filarmónica definha a olhos vistos…isso significa que vou ter ainda mais silêncio, não tarda!
Se o barulho, agora, tem este "ruído", imagino como será daqui a uns tempos…
… A não ser que eu vá "desta para melhor" antes do burro deixar de ter forças para andar com a carroça a reboque, ou se fine de velhice.
E quanto à "banda", até com meia dúzia de músicos se toca uma marcha fúnebre!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ditos e (inter) ditos


A minha cidade tem muitas noites sossegadas – demasiado sossegadas - como hoje, recolhe-se cedo, mas aqui, no meu "universo", de tecto negro e paredes claras, onde repousam quadros do Wil de Wildt, Frenk Steffens e Rui Monteiro, iluminados por luz branca e directa, o som que me chega aos ouvidos vem do dedilhar das cordas das violas.
São dois os artistas, dois os instrumentos: uma Fender e uma Ovation que se completam como amantes apaixonados; à suavidade das cordas de nylon sobrepõe-se o timbre do aço no solo de peças musicais, tão clássicas quanto a minha mente consegue catalogar no tempo: "Guitar Tango", "Apache", "The Savage"... e mais e mais!!!
Os " Shadows" foram e são o meu grupo musical de eleição, e deles guardo "quase tudo", desde os primórdios dos seus verdes anos à década de oitenta - outra época de ouro nos arranjos de "Themes & Dreams", por exemplo.
Só o Hank Marvin poderia fazer, agora, com que me sentisse jovial no sossego do meu mundo e num tempo "quase perfeito"!
O Sérgio e o "Zé" Augusto, às vezes, têm destas memórias, entre dois whisky's.
...
A Isabel trouxe uma amiga, escolheram uma mesa de canto; pediram uma cerveja e um cocktail. O taberneiro sugeriu a marca da moda, servida no copo característico, e sobre as "misturas" falou das suas invenções. A amiga da Isabel preferia outro composto: vinho tinto aquecido, rodela de laranja, um pouco de canela e uma pitada de cravinho - de fácil preparo, acrescentou.
- Intragável - pensei.
Vieram as bebidas e a Isabel, sorridente e bem disposta, sugeriu que provasse a mistela, o que fiz por simpatia.
Para o meu palato, simplesmente horrível!...
Não dei parte de fraco, corri à copa e bebi um enorme copo de água!
A noite ia alta.
Depois de saborear com deleite a beberagem, a amiga da Isabel pagou a conta e saiu.
A Isabel ficou no mesmo lugar, mas à segunda cerveja, decidiu-se pelo balcão e por ali ficámos em amena cavaqueira
Procurei ser bom ouvinte de estórias intermináveis, sem comentários: era a noite de "todos" os desabafos!
Veio outra cerveja.
Falámos de terras no "fim do mundo", de viagens, de sítios que "adorávamos conhecer", de amores e desamores...
A Isabel deixou de olhar de frente, e quando voltou a fazê-lo, trazia os olhos molhados, não sorria, como sempre faz...
Concluímos que o momento era o menos próprio para recordações que se desejam esquecidas. Para sempre!
Ponto final.
..... E fiquei sem saber o nome do cocktail que, pelos vistos, é típico de países frios, como a Holanda - é o que afiança a Rita, emigrante a meio tempo no país das túlipas
- Agora percebo porque é que os holandeses gostam tanto de Portugal – diz a Rita cansada de tanta água!
Para estas duas amigas, o " sol português não as deixa" voltar às origens!

O peso dos anos tem a importância e o valor do trajecto que percorremos.O carrego pode ser pesado se a vida foi madrasta, ou leve, se a fortuna teve sorrisos de boa vizinhança. Em qualquer dos casos, a memória funciona como arquivo de todas as coisas, boas e más.
Por vezes, de forma voluntária, recordamos outros tempos, perto ou longe do momento presente, ou é o acaso que nos faz lembrar o passado.
Casualmente, hoje, encontrei na mesa de um bar um jornalzinho que não folheava desde os tempos em que ia à Missa, aos domingos, já lá vão uns anitos. Chama-se O AMIGO DO POVO, é editado pela Diocese de Coimbra, e tem de vida mais de noventa anos!São duas folhas "A4", de conteúdo evangelizador, naturalmente, e é informativo quanto baste.Tinha (e tem!) uma secção que lia com enlevo: "Ao calor da fogueira" - diálogos simples e moralistas, como é o caso da edição 4280.
De tanto querer saber (e nada sei!...) tornei-me agnóstico, mas este jornalzinho transportou-me à infância na minha aldeia, ao padre Januário, às brincadeiras do pião e aos futebois no largo da escola, às reguadas da professora Georgina e aos seus preciosos ensinamentos, à primeira namoradinha, ao Peixoto (a quem sovei de raiva, certa tarde, por causa da Teresa, que era miúda de alguma beleza e sorriso brejeiro), aos passarinhos presos nas armadilhas, aos mergulhos no rio, ao Américo Cigarrada (que saudade dos peixes que agarrava à mão, no rio Alva, só para me satisfazer os desejos!...), à avó Virgínia, à mãe Natália...
O AMIGO DO POVO era o meu jornal de domingo, que lia durante a semana!

Contagem decrescente



Os filósofos da bica e alguns “entendidos da matéria”, entre duas “imperiais”, especulam de forma brejeira (sem necessidade, digo eu…) sobre a idade de cada conviva, e não é de admirar um “puto de quarenta” dizer a outro, na mesma faixa etária, que está a ficar “velho”, ou já lá mora, quando ela, a velhice, se faz anunciar com uma simples e fugaz enxaqueca, por exemplo, ou se determinado “jovem” assume cansaço físico depois de uma noite de pândega. (Há indícios bem mais aborrecidos, e desses quero distância, nem os “enuncio”!).
Depois, há sempre um ou outro, de conversa mais séria na aparência (rosto fechado, voz timbrada, palavras eruditas…), que afirma ser a velhice coisa natural! Um deles chegou a encadear uma ladainha, que começou na concepção da vida e terminou…na “terceira idade”.
Na verdade, a contagem decrescente pode ser contabilizada a partir do momento da fecundação, mas imaginar uma criança daí a uns bons e largos anos, no tempo do ocaso da sua existência, não é ideia que se tenha, sobretudo quando os mais pequenos nos brindam com gestos de inocência e/ou palavras de excelsa ternura, deduções lógicas e inteligentes na curiosidade – momentos de espanto e admiração que guardamos na caixinha das memórias como autênticas relíquias.
A Margarida contou-me que o infante Guilherme só come peixe se este lhe aparecer no prato, inteiro, da cabeça ao rabo; de resto recusa-se a ingerir qualquer posta de “peixe mutilado”, que é como quem diz, na sua imaginação, retalhado aos pedaços, grandes ou pequenos. Mas do que o Guilherme não gosta mesmo nada é de “morangos mortos”! – nem mais nem menos gelados ou iogurtes onde apareçam bocadinhos daquele fruto.
Uma vez, um dos meus filhos, o Carlo, resolveu semear um caroço de laranja num dos vasos com plantas, que ornamentavam a entrada do prédio onde habitávamos; a sua maior preocupação era, no futuro, o crescimento da árvore e os frutos que haviam de nascer - certamente os vizinhos iriam “roubar as suas laranjas” , e isso não admitia!...
Enfim, “estórias” que Fernando Pessoa por certo quis retratar de forma sublime quando escreveu que o “melhor do mundo são as crianças”!
Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças…”!
Este “devaneio”, não tem nada a ver com o tema da croniqueta – ou terá? Adiante.
Estou em acreditar, por completo, em algumas das teorias sobre a velhice, mas a Catarina, há pouco, “baralhou-me” com o que aprendeu na Universidade.
Simples: diz-se que uma pessoa é idosa (velha…) a partir dos sessenta e cinco, e muito idosa (demasiado velha…) depois dos oitenta! O meu dicionário, porém, é mais pragmático: velho, significa muito avançado em idade, antigo, que já não está em uso; fora de moda; antiquado; muito usado, gasto; homem de idade avançada, ancião. Sobre a pessoa idosa: que tem bastante idade; velho; senil!
Senil?!
Uff…tento dar a volta ao texto e “localizar-me” nas definições de forma airosa, gentil e simpática!!!
Aqui para nós, não me revejo em nenhuma das características enunciadas; “gasto”, talvez - aceito que já não corro atrás de uma bola como o fazia quando tenha vinte anos, ou “fora de moda” para as “miúdas” de trinta, ou mesmo dos quarenta, e mais não digo…
Como se compreenderá, sou suspeito numa auto análise, assim, deste jeito, como quem se confessa ao prior da freguesia, mas espero que me dêem o benefício da dúvida, embora reconheça que, um dia destes, depois de estar horas à espera do médico de família, no Centro de Saúde - eu e mais umas vinte pessoas, com os seus achaques, algumas com idade inferior à minha, cansadas e desgastadas pelo trabalho árduo do campo – senti-me velho por dentro! Pensamento estranho porque sempre valorizei muito mais o “espírito” eternamente jovem (pensava eu!) do que o “invólucro” com que cubro os ossos.
Enfim, “isto” tinha de acontecer, mais dia, menos dia – só falta chegar a idade da reforma, mas ainda há imenso tempo para me dedicar à delícia de ver os netos crescerem no "dolce far niente".

Quanto mais tarde, melhor

(Recupero a morte do meu canário, em memória do grande tenor Pavarotti)
...
A saudade é um “sentimento” semelhante ao amor, paixão, ódio e desprezo?
Segundo uma “ordem de grandeza”, onde deverá ficar colocada?
E a saudade, enfim, também é sinónimo de nostalgia?
Uma tarde destas, numa roda de amigos, ocupámo-nos com o tema de forma assaz calorosa, dado que, cada um de nós, tem da saudade opinião semelhante, mas díspar no conteúdo, segundo a sensibilidade, o que me parece perfeitamente normal.
Leio no dicionário que tenho à mão: saudade - sentimento melancólico causado pela ausência ou pelo desaparecimento de pessoas ou coisas a que se estava afectivamente muito ligado, pelo afastamento de um lugar ou de uma época, ou pela privação de experiências agradáveis vividas anteriormente; nostalgia - sentimento de tristeza motivado por profunda saudade, especialmente de quem se sente estranho, longe da pátria ou do seu lar.
Fica claro que a saudade e a nostalgia andam de mãos dadas e fazem parte das emoções fortes de todos os humanos.
Segundo a “Porto Editora”, é um sentimento e não se fala mais nisso – cada um terá de a colocar a jeito na lista das suas preferências, segundo o “grau de qualidade”.
A nossa discussão teve “picos de audiência”, bem perto da hora do jantar; o Rui, entre o silêncio e o meio sorriso, sugeriu a leitura de “Ignorância”, do escritor checo Milan Kundera , que, a propósito da nostalgia e da tristeza, escreve: “…Para esta noção fundamental, a maior parte dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega (nostalgia) e, além disso, outras palavras com raízes na sua língua nacional: añoranza, dizem os Espanhóis; saudade, dizem os portugueses. Em cada língua, estas palavras possuem um matiz semântico diferente…”.
Ora, de longe, um escritor de prestígio como é Kundera, aproxima-se com realismo do “fado português” (com toda a carga poética que lhe queiramos transmitir) e da palavra saudade que, segundo alguns tradutores britânicos, está classificada em sétimo lugar na tabela das mais difíceis de traduzir! Temos outra com as mesmas características?
Para os nosso irmãos de Cabo Verde, ficou sodade ou sodadi, tal a influência linguística, e é assim, com sodade, que os milhares de emigrantes cabo-verdianos sentem a ausência, tal como nós, da Pátria, da família, dos amigos, dos cheiros e sabores, da paisagem – de tudo que fica na memória - até dos sonhos!
Saudade e nostalgia podem associar-se à efeméride que, por qualquer razão, deixou marca na nossa sensibilidade. Escolho a “minha”: 14 de Setembro de 2006, meia tarde!
Outro tanto, se recuar uns dias para recordar a morte de um belo canário, cantor e sedutor como todos os canários - acontecimento comezinho, dirão…
Um dia, pela manhã, encontrei-o “adormecido” a um canto do “palacete de uma assoalhada”, onde havia instalado um trapézio para se exercitar.
Fiquei triste - estou triste - com o silêncio eterno do meu “amigo”; com alguma pompa, deixei-o aconchegado em campa rasa, debaixo dos “Kivis”, espalhei pétalas de rosa, e elevei a “oração”, que se justificava no momento, a todos os deuses do Olimpo, numa tentativa de marcar na lista de espera novo encontro, de preferência ao som de belos trinados, mas quanto mais tarde, melhor, porque, por ora, continuo a escutar os solos do “Bocelli” – um belo canário, cantor e sedutor como todos os canários.
Quanto à saudade, bem…a saudade – o “tenor” faz parte das lembranças das coisas mortas da minha saudade, por ter sido a única “coisa” viva da minha nostalgia.

A emoção de ter inveja

Alguns dos meus amigos estão de férias e a minha inveja é proporcional à qualidade imaginária das ditas, isto é: se o destino foi a Figueira, vá que não vá; Algarve, eriçam-se os cabelos, se foram de abalada até Punta Cana e arredores, começo a ficar vermelho, mas quando me chegam notícias da velha Europa, do tipo: “olá, por aqui está tudo bem, estou a jantar em Varsóvia (…), a passear por Riga (capital da Letónia, imaginem!) …”etc e tal, chispo labaredas!
A inveja é um tipo de sentimento interessante, estou de acordo com Rui Zink, escritor de mérito - que aprecio por certa linguagem desabrida - porque quando existe, a inveja, é sinal de que ambicionamos o mesmo que o parceiro do lado: emprego “fixe” e bem remunerado, talvez um carrinho com motor, mais actual, mesmo uns dias de férias em paragens de puro exotismo panfletário, por exemplo….
Diz o escritor: “…Calar uma emoção tão salutar como a inveja, que é o desejo de estar melhor (e não necessariamente o desejo de o outro estar pior), leva a quê? Ao sufoco, à castração emocional…” – uff, nem mais! A partir deste “elogio”, alguém se atreve a condenar uma das minhas invejas, por mais pequenina que seja? Haverá outras “invejas” que não são próprias de gente de bem, mas enfim...
Ora, a minha inveja, perfeitamente assumida, não é incomodativa, apesar de tudo, e como não faço uso dela, fico-me pelas raivinhas, igualmente invejosas e assumidas, sobre as viagens, passeios e visitas turísticas dos meus amigos. Bem gostaria de outros horizontes “nas minhas férias” que não estes, mas como estão longe do alcance do meu mealheiro, fiquei-me pela visita à rotunda da “Iral”, vi ao pormenor a escultura do Luís Queimadela, que tem feito levantar o som cavo das tubas, desavindas com a estética do belo, mas isso não é importante - como posso apreciar música clássica, se lá na aldeia, quando era miúdo, só ouvia a banda filarmónica?; para bom entendedor… – “descobri alguns recantos escondidos” do parque do Mandanelho, passei um excelente fim de tarde nas Caldas de S. Paulo, na companhia de amigos, voltei á Bobadela, enfim , andei por aí...
A propósito de música erudita: apesar de tudo, fui habituando o ouvido, quando era adolescente, e hoje sou mediano consumidor, graças ao tempo de África, sem televisão mas com rádio – novelas e fadinhos da Maria Pereira nos programas publicitários da Robbialac! E “sofri as consequências” do festival de Woodstock, apaixonei-me pela música dos Beatles, Shadows Amália e outra gente famosa do Show Business internacional; gostei do Conjunto 1111, Quinteto Académico, Tony de Matos, Simone de Oliveira, e outros artistas da casa - e fui a tempo de ver “nascer” o Marco Paulo para consumo interno…
Bem, falava de férias e da inveja que me corrói as entranhas pelo gozo com que os meus amigos ostentam o tom moreno trazido da praia, que para mim é uma chatice: areia em demasia, água salgada, ondas revoltas, sol, muito sol… calor! Praia de jeito é a que tem esplanadas, mesas e cadeiras confortáveis, cervejinhas bem frescas, e, já agora, uns camarões grelhados para desenjoar da bebida; se houver mar calmo e o reflexo da lua nas águas vier acompanhado do romantismo de companhia agradável e gentil, tanto melhor……
Recordo que o ano passado, por esta altura, sofri da mesma maleita; dados os factos passados e presentes, acho que sou portador de um “vírus crónico” que não se dá nada bem com este tempo… de férias.
-“Hoje estou em Tallinn ( capital da Estónia)” e estou a adorar… – escreve a Graça, para me “irritar”, só pode. Quando voltar, há-de contar tudo, tintim por tintim…

sábado, 14 de março de 2009

Piercings & mini saias


O deputado socialista Renato Sampaio é autor de um projecto-lei que, eventualmente, pode alterar a liberdade de quem pretende decorar parte do corpo com piercings. Como a saúde está primeiro, entende o deputado que deverá existir legislação adequada aos malefícios das tatuagens e similares, o que me parece bem …Confesso desconhecer pormenores sobre a matéria; verdade seja dita, não posso”querer saber tudo” porque se torna difícil conseguir captar todas as atenções - das que somos obrigados às outras, do estilo “'faits divers' ”. Portanto, a estória dos piercings e das tatuagens é coisa que não me dá pena, mas se o Governo entende por bem emitir Lei sobre o assunto, que o faça, está no seu direito.
Ora, factos são factos (a propósito: no acordo ortográfico luso brasileiro, o vocábulo «facto» fica como está – uma boa notícia para os puristas) e quanto a isso, nada a fazer: o IVA sempre vai baixar lá para o verão, o que pode significar melhoria de vida para os portugueses, na opinião do Primeiro Ministro, mas quanto aos piercings nada está decidido - uma péssima notícia para quem os usa ou pensa vir a usar, depois de legalizada a sua aplicação.
Escolhi este dois “factozinhos” por me parecer que não estão no mesmo pacote das coisas importantes - ou talvez estejam – para o português comum…
Acreditando que o projecto-lei tem pernas para andar, no futuro a quem competirá fiscalizar a aplicação dos pingentes? À ASAE? Pois, não se sabe, mas há-de ser giro o fiscal, depois de se identificar, claro, solicitar ao eventual “prevaricador” que mostre certas partes do corpo, por norma resguardadas no recato de um slip; a elas, que desça o decote e o soutien!…Se desce o decote, porque não subir a bainha da saia?
O “Público” online, a propósito de saias curtas, conta como a clínica espanhola San Rafael, em Cádis, espolia em alguns euros as suas funcionárias pelo simples facto destas não usarem mini-saia, como está estipulado no uso do uniforme obrigatório. As senhoras, enfim, recusaram o traje que, além de deixar as pernas descobertas, obriga ao uso de um avental justo e pouco prático – leio. Além disso, argumentam, sentem-se objectos decorativos; diz uma: – “quando estamos a trabalhar não temos liberdade de movimentos e não nos podemos baixar para atender doentes que estão acamados"...
Apesar dos nossos brandos costumes, acho que entre nós este tipo de farda jamais teria opositores (as), digo eu que sou do tempo do grande sucesso da mini-saia, inventada por Mary Quant dizem uns, outros dão a paternidade a Pacco Rabanne, a não ser que a proibição viesse de instâncias superiores, alicerçada no pudico desconchavo de alguns senhores…
Se a administração da clínica de Cádis entende que o uso da saia curta é um paliativo para os seus doentes, nada a opor -o efeito placebo, pelo menos, está garantido!
Quanto ao uso de piercings, nada consta…

Às voltas com a História



Depois de conjugar uma mão cheia de situações, decidi mudar de estilo e ritmo de vida, nada que os mais próximos não estivessem à espera, mais dia menos - foi agora, pela primavera, para “renascer” no novo ciclo da mãe Natureza.
A vantagem que retiro destes dias sem obrigação que se veja útil à comunidade, é poder ler horas a fio, ouvir música e andar por aí; confesso a ausência destes pequenos prazeres durante anos, mas agora tiro a desforra nestes três ou quatro dias de vento e chuva que são um “encanto” para os sentidos!
À cabeceira continua “Rio das Flores”, do Miguel Sousa Tavares. Vou a meio do livro, com algum custo porque é “chato” pela minúcia da (s) estórias (s); estava disposto a terminar agora a leitura da obra, mas alterei os planos quando dei de caras com outro livro, da autoria do conhecido e polémico José Hermano Saraiva: “História Concisa de Portugal”, datada de 1980.
Primeiro umas linhas… depois uma história, e cá vou “devorando” mais de trezentos e cinquenta páginas com o prazer inaudito do regresso às origens do País que somos.
É bem capaz de nem tudo ter acontecido como é relatado, porque “quem conta um conto, acrescenta um ponto”; que importância tem, afinal, por exemplo, conhecer o pormenor da morte do D. Sebastião? Morreu à paulada ou à espadeirada - está morto e não se fala mais nisso.
A importância do que é importante, a meu ver, reside na lenda da sua morte e do significado de um certo “sebastianismo” bacoco, de que as “profecias” do sapateiro Bandarra fizeram एको. As “profecias” ainda se comentam, e o “sebastianismo”, como certo ideal de esperança (?) num salvador (sabe-se lá de quê!) que há-de vir, não desapareceu de todo…
Além dos desgostos de Alcácer Quibir, a morte do rei português trouxe mais tarde os espanhóis à liça “em casa alheia”, e por cá se mantiveram por um ror de anos, até que “corremos” com eles; voltaram à carga umas quantas vezes mas, cansados da guerra, uns e outros, lá se decidiram pelo sossego. E ainda bem!
… Se assim não fosse, hoje seríamos mais uma “região” sob o domínio do rei Juan Carlos, possivelmente a lutar entre muros pela independência do País Portugal, como o País Basco o faz…
A propósito: leram ou ouviram atrasado que o Nobel da Literatura, José Saramago, defendeu a integração de Portugal em Espanha?
Pois…

sexta-feira, 6 de março de 2009

Monumento a quem merece

A proximidade afectiva torna suspeita a opinião que tenho do dono de certo bar da cidade. Diria até que estamos tão próximos que nos “confundimos” pelo riso de uma boa piada; como o grande poeta Mário de Sá Carneiro disse de si, “eu não sou eu nem sou o outro…”, enfim, daí esta confusão de personalidades que, bem vistas as coisas, nada tem de bizarro...
Ora, se pelo riso nos entendemos, quando a “graça tem piada”, foi esse o trejeito que me ficou dependurado após leitura apressada, depois vagarosamente repetida, da parte final do terceiro parágrafo da peça publicada pelo CBS na edição anterior, a propósito de uma praceta da cidade, onde, por coincidência, eu e o meu amigo, dono do tal bar, coexistimos de forma fraterna e solidária.
O corpo da notícia, na verdade, não justifica, a meu ver, o espaço desta croniqueta, mas o pequeno “pormenor” do presidente da edilidade de Oliveira do Hospital, num momento de saudável disposição, acrescentar à sua resposta, a propósito da necessidade da requalificação da tal praceta, onde eu e o meu amigo coexistimos pacificamente, insisto, a lapidar frase:”… a não ser que o senhor queira lá colocar um monumento aos frequentadores do Ritual Bar”, (como se isso constasse das ideias de quem propunha intervenção camarária), merece, pelo menos, um meio sorriso e um pequeno “devaneio” da minha parte, com a aquiescência do meu amigo, claro está…
A notícia é para ser lida no seu todo, por isso remeto os leitores para a dita – ficarão a conhecer as “causas” da ironia do presidente da edilidade oliveirense, como está escrito no CBS.
Imaginemos que a proposta incluía, além do corte dos arbustos e arranjo dos passeios, um monumento para embelezar a praceta (o que não seria de todo descabido, na pessoa do seu patrono, o poeta Manuel Cid Teles)…
Então, particularizar determinado estabelecimento comercial e os seus ilustres clientes (ilustres, digo bem – de outro modo não justificariam a “estátua”) seria uma atitude simpática, no meu modesto raciocínio, e reflectia a importância do mesmo em determinado contexto. No caso, com ou sem ironia, o presidente da edilidade do “meu concelho” por certo pretenderia exaltar uma mão cheia de actos culturais levados à prática no tal bar durante oito anos – oito –, que me dispenso de recordar por serem sobejamente “visíveis” aos olhos de quem quer ver, perante a presença de gente elegante no porte, de classes sociais díspares, atentas e respeitosas.
Tamanha honraria bem poderia ser aplicada, por inerência de atitudes semelhantes, a outros estabelecimentos similares e aos seus fiéis e cordatos clientes; eu e o meu amigo entendemos que o “sol quando nasce é para todos”: para uns, o aconchego do entretenimento espiritual pode ser um sarau de poesia, uma noite de boa música ou a contemplação de uma exposição de pintura; para outras, uma sessão de anedotas ou uma noitada de jogo de cartas, por exemplo, têm o mesmo efeito reparador das maleitas da alma. Por isso, a hipotética ideia (do monumento…), ainda que risonha, brejeira, irónica, sarcástica, pouco, muito ou nada séria, tem pernas para andar – os clientes merecem! Haja quem a proponha em letra de forma junto das competências devidas! Depois, logo se vê…
Enquanto me distraio com a escrita nesta ânsia indomável de escrevinhar coisa que mereça leitores – um que seja! – o meu amigo, coitado, faz de Villaret no “Cântico Negro”:
"Vem por aqui — dizem-me alguns com os olhos doces”
“ (…) Sei que não vou por aí”!
Entre o princípio e o fim do poema, fica o inconformismo do grande poeta José Régio.

Insónias e pesadelos

Vá lá saber-se porquê, uma noite destas tive uma insónia que me deixou mais cansado do que estava quando me deitei.Dei conta disso depois das voltas nos lençóis.
Como se não bastasse o corpo maçado, também a alma ficou dorida pelo corrupio de ideias que durante todo esse tempo afloraram à mente, coisas parvas, estúpidas, algumas sem sentido, mas eram ideias e pronto - guardei-as para descodificar em melhor ocasiãoTenho para mim que a falta de sono surgiu na sequência de um daqueles pesadelos de que quase nunca nos lembramos ao acordar; coisa boa, no mínimo razoável não terá sido...
Como é bom de imaginar, horas a fio naquele jeito incómodo de estar, deram-me a volta à cabeça. Ainda peguei num dos livros que tenho à cabeceira, “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares, mas a leitura não trouxe o resultado esperado; reconhece-se ao autor talento e qualidade na escrita e na palavra dita, mas este romance, a meu ver, peca pela minúcia de determinados relatos e esse pormenor enfadou-me, confesso.A propósito do título, quando o li, pareceu familiar. Pelas dúvidas, fiz uma busca (abençoada Internet!) e encontrei: Rio das Flores é nome de cidade brasileira, pertence ao município do Rio de Janeiro! Mera coincidência, dirão, também creio…
A propósito, o Brasil é um país que me seduz por múltiplas razões; “sei” de um colibri, passarito simpático, de bico esguio e ágil, que suga o néctar das flores pairando no ar com as asitas em frenética velocidade, como todos fazem; este rodopiou uma, duas, vezes, à volta da “primavera” e quase a beijou, como se fosse flor.Será – é! – uma imagem romântica, como outras que poderia surripiar da obra do poeta Mário Quintana, por exemplo, mas basta esta para ilustrar a poesia do gesto.
Obviamente, não é só o “beija-flor” que me fascina naquele país irmão Pouco amante da arte do samba, prefiro a dança do futebol, aprecio a paisagem “ africana” de que tenho saudade, e o quentinho do clima – outra saudade, agora ainda mais sentida pelo contraste do frio que vai fazendo por cá…
Volto à minha insónia.É fantástico como no “silêncio do escuro” se pensa de forma profunda nos afrontamentos da vida e nas “soluções” para os problemas que carregamos diariamente!Porém, quando vem a luz do dia, ou acendemos a lâmpada do candeeiro da mesinha de cabeceira, aquilo que parecia ter lógica, deixa de ter, e as soluções, quando muito não passam de hipóteses…remotas.Quero dizer que devemos estar em permanente escuridão quando se procuram decisões para os problemas de vária ordem e qualidade? Nada disso - é importante que tudo seja feito às claras, sob pena ficar alguma sombra incomodativa.Se há uma solução para determinado coisa que atrapalha, vamos a ela!
O pior é quando não se consegue enxergar uma luz ao fundo túnel e as insónias se confundem com pesadelos…Como sou um “sortudo” nestas coisas, ando por aí de “candeia acesa”, mas nada de avistar soluções para os meus achaques - só insónias e pesadelos.Hoje vou jogar no euromilhões!

Prazeres implícitos


Há dias em que baralho as ideias de tal forma que me obrigo a reflexão mais ou menos minuciosa. O mundo, na verdade, não fica de pernas para o ar pelo simples facto de um mortal assumir que em certas horas se confunde. No meu caso, o mundinho onde me movo, de tão pequeno, passa despercebido, mas quando tenho as ideias desordenadas, fica mesmo virado ao contrário, como aconteceu um dia destes quando folheava um diário desportivo, na ânsia de conhecer o projecto camachiano do meu Benfica.
Não li nada de novo e interessante, confesso, excepto um anúncio dos “classificados” onde determinada senhora oferecia os seus préstimos para acalmar o stress dos leitores.Em três linhas apresentava o seu currículo físico e deixava adivinhar nos três pontos do final do texto prazeres implícitos - o normal, com o pormenor acrescido de, dizia ela, ter sido namorada de um futebolista!
O reino da publicidade usa palavras “plebeias” que nos empurram para o consumo de determinado produto; no caso, o eventual facto da referida dama ter namorado com um fulano que ganha a vida ao chuto (numa bola), e isso representar mais valia no marketing do “artigo,” fez-me sorrir e imaginei, de seguida, a primeira página de certo tablóide nacional:“Fulana de tal, ex namorada do futebolista Y, assume-se como prostituta” – e acrescentaria o número do telemóvel para que pudessem ser confirmados “ao vivo e a cores” os prazeres que o rapaz da bola atirou às malvas!
Razão tem o “craque” Cristiano Ronaldo quando está (estará?) nas tintas para as parangonas do jornal The Sun que, com frequência, escreve sobre a sua vida privada - faltará relatar quantos “chutos”dá o moço na intimidade da sua mansão...
Um dia destes, por este andar, com o fito de arranjar parceiro, aparecem viúvas a publicitar as suas virtudes, e dos defuntos maridos, não por aquilo que construíram a dois durante o tempo de vida, mas pelos “segredos” que o cantor brasileiro Ney Matogrosso retrata numa das suas cantigas apimentadas:“É debaixo dos pano /Que a gente comete um engano/ Sem ninguém saber /É debaixo dos pano/Que a gente entra pelo cano /Sem ninguém ver"!

segunda-feira, 2 de março de 2009

"Miradouro da esperança"

Vou puxar a brasa à minha sardinha, com vossa licença…
Inaugurado em 1992 pelo então Secretário de Estado da Agricultura, Álvaro Amaro, o “Miradouro da Esperança” continua a desempenhar a missão para que foi construído: suster uma inestética barreira, sita na rua principal do meu sítio. Como lhe acrescentaram um passadiço com protecção física, mais ou menos a três quartos da altura, baptizaram-no de mirante, sinal de que dali se descortina horizonte suficiente para saciar a vista, o que não corresponde à verdade. Digamos que tem as “vistas curtas”, para o outro lado da rua, para cima, para baixo e para o alto…
Nunca questionei os autores da ideia sobre o pomposo título; os senhores desse tempo, no meu sítio, lá saberão da sua importância nacional, a ponto de merecer a honra presencial de um membro do Governo na hora de cortar a fita. Adiante – importa a obra que alindou o espaço, e o resto pertence às manigâncias político-partidárias –, nada a acrescentar perante a evidência da pompa e circunstância da inauguração, a que associo um pouco da “Procissão” de António Lopes Ribeiro, poema magistralmente interpretado por João Villaret: “…Na nossa aldeia, que Deus a proteja, já passou a procissão…”!
Nesse recuado ano, os anseios de alguns dos meus conterrâneos manifestaram-se através da construção de um paredão e do vocábulo esperança! Certamente profetizaram renovado futuro, e nada melhor do que a rigidez do betão para exprimirem, simbolicamente, sentimentos e desejos legítimos. Infelizmente, a aldeia desertifica-se de ano para ano e não se adivinham tempos de fartura. Essa “esperança” evaporou-se…
Por lá, no meu sítio, há casas reconstruídas por quem se apaixonou pela terra, e muitas, imensas casas decrépitas – retrato em sépia de uma realidade confrangedora. O “meu” rio, que agora transborda, no estio abandona-se no leito, mal se espreguiça, e deixou de ser a grande atracção turística pela ausência de caudal capaz de arrastar toda a espécie de porcaria para bem longe das margens. Junta-se ao Mondego perto de Penacova e perde a identidade a caminho do mar. Hoje fui visitá-lo de perto – assusta o turbilhão das águas revoltas! Junto à “ponte”, a roda de alcatruzes, continua quieta e presa ao eixo, que a há-de mover quando for o tempo de enfeitar a paisagem – utilidade prática é de somenos valor porque não há sementeiras a necessitarem dos seus serviços.
No “coração” da aldeia, a última filial dos Grandes Armazéns do Chiado morre devagar, e o mesmo acontece ao palacete da família Nunes dos Santos, fundadores dos célebres armazéns consumidos pelo fogo em 1988. A escola vai encerrar e os alunos serão transferidos para a vila vizinha, a escassos três quilómetros, segundo se diz.
Com vida própria, a sede da Associação Filarmónica é a imagem de um povo capaz de grandes gestos de solidariedade – até na manutenção da própria Banda de Música! A Casa do Povo foi transformada em Centro de Dia e, agora, nas traseiras, ergue-se obra de vulto que irá melhorar as condições da instituição – nem tudo é mau lá no Barril de Alva, de onde venho…
E pronto, disse, mas continuo pensativo e insisto na dúvida: sempre gostaria de saber se alguém já lobrigou do “miradouro” algum tipo de esperança...

O brinquedo de corcódea

À sombra do meu gostar

Era uma quinta enorme, com terreno de cultivo bordejado de macieiras.E tinha uma casa de arrumos onde guardava as minhas construções de corcódea; a última foi uma miniatura de um carro - de -bois ( o transporte da época para o renovo da quinta, onde se "dava de tudo", como se fala por aqui...).
Em fevereiro de um ano, as terras estavam de pousio e eu também, sem grandes quereres nos meus onze anos, mas fui de livre vontade até onde o navio me deixou, quase um mês depois do adeus a Lisboa.
Lourenço Marques era mesmo uma cidade linda, tão linda que me prendeu nos seus encantos - ainda morro de amores por ela!
Um dia, homem feito, regressei ao meu sítio e voltei à quinta, de visita...para procurar o meu carrinho de corcódea com duas rodas minusculas e umas figurinhas que em nada se assemalhavam a animais de carga, ainda por cima sem chifres - lembro-me muito bem do feitio da minha "escultura"!
Tinha a certeza de que a deixara numa prateleira, ao alcance da minha mão...mas a prateleira estava vazia!
...Regressei de nova viagem à quinta abandonada, onde agora crescem pinheiros bravos.
Da casa, duas meias paredes e, aberta numa delas, a prateleira "guarda a alma" do meu brinquedo...
"Amén"!

O presidente convida...


O correio trouxe uma carta sem remetente que me deixou intrigado por breves segundos. Abri o envelope, retirei o conteúdo que, ao contrário do suposto, não trazia más notícias...
Tratava-se de um simpático convite, em nome do presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Oliveira do Hospital, para assistir a uma exposição de fotografia da artista Arlette Graven. Até aqui, tudo normal…
Com o pequeno rectângulo na mão, dei voltas e mais voltas à memória na tentativa de lembrar a ocasião em que havíamos trocado as nossas moradas, eu e o presidente, como acontece aos amigos quando se afastam uns dos outros pela conveniência de outras paragens. Desconheço o nome da rua e o número de polícia da sua porta, mas se ele, o presidente, conhece o meu sítio – o que não é difícil – fico encantado pela lembrança, mas não, eu e o presidente nunca fomos dessas “intimidades”…
Apesar de nos termos cruzados várias vezes, nunca fomos à fala, até naquele dia em que ele, o presidente, encostado ao balcão do café Portugal, com outra pessoa por perto, fez orelhas moucas às “boas tardes” que deixei no ar. Assim sendo, este convite só podia ter vindo por engano, ou então…
Percebi – finalmente! – que o pequeno rectângulo é uma espécie de circular que pode chegar a qualquer pessoa em qualquer canto do mundo, quer seja enviada por quem a subscreve ou por terceira pessoa, como deve ter sido o caso, e então já não estranho… a amabilidade da Arlette – foi ela a remetente, aposto.
Sei do que é capaz como “mulher dos sete ofícios”, é verdade, mas nunca a imaginei fotógrafa, capaz de retratar as emoções das suas viagens deste jeito bem apelativo para quem se limita a viajar em sonhos, como é o meu caso. Estou curioso.
Certamente nunca saberei se o presidente envia convites pessoais aos cidadãos que representa na Câmara, quer tenham votado na sua eleição ou não, mas como as eleições estão (quase) à porta, é bem possível que eu seja bafejado pelo apelo da obra feita, de modo a que, com mais um voto (o meu), ele dê continuidade à liderança da Autarquia – apesar das fortes críticas, dos seus pares mais chegados na vida partidária ao anónimo cidadão.
Nas suposições mais optimistas ele, o presidente, disputará as eleições daqui a um ano, mas como a aragem que sopra da Rua de São Caetano à Lapa se pode transformar em vento ciclónico, é bem capaz de haver novo líder no PSD daqui a uns tempos e lá se vai o eventual apoio da doutora Manuela.
Se assim for, não lamento a sorte do presidente em exercício, mas fico com pena por não receber na minha caixa do correio um envelope com um convite à reflexão na hora de desenhar uma cruz no boletim de voto – sempre queria ter o gosto de o “guardar” no melhor dos sítios que tenho junto à minha secretária…
Quanto à exposição da minha amiga Arlette, não vou perder a oportunidade – fica prometido!

Arganil e a ESTGOH



Recebi “A Comarca de Arganil” e, como sempre faço, passei a vista pelos assuntos que me pareceram mais interessantes.
Esta edição do primeiro de Janeiro é um marco histórico na vida do conceituado jornal, que comemora 108 anos de vida! Fantástico! Parabéns!
Há meio século, mais dia, menos dia, foi por ela, a “Comarca”, que me ficou o gosto da escrita, e o vício por cá continua – fiz dele profissão, interrompida aqui e ali por razões que não vêm ao caso. Há, pois, um carinho eterno pelo primeiro jornal do meu concelho.
Esta “Comarca” realça os empreendimentos da Câmara Municipal de Arganil e eu, na verdade, como filho do concelho, não posso deixar de me congratular com algumas iniciativas e benesses concedidas pelo Governo.
Também há coisas “feias” (e muitas!) no meu concelho, sem dúvida, mas disso ocupar-se-á a Imprensa local conforme lhe aprouver…
Há uns anos – era presidente da Câmara o doutor Maia Vale – numa tertúlia, falou-se da importância de um pólo universitário na vila; alguém referiu, que seria importante dar passos nesse sentido. Maia Vale, recordo, não era homem para grandes gastos mas achou a ideia interessante. Tempos depois, por volta de 1997, assisti a uma conversa onde o assunto foi de novo ventilado, com um dos intervenientes a dar como certa a presença dos estudos universitários em Oliveira do Hospital; Arganil, uma vez mais, “perdia” para o concelho com quem faz fronteira – disse um dos conviva do serão.
A ESTGOH veio mesmo, e por cá continua… em casa emprestada…
As duas câmaras municipais são dirigidas por eleitos do PSD. Os presidentes usam práticas semelhantes nos contactos com o povo, “misturam-se” com ele, e, com toda a naturalidade, tiram dividendos políticos dessa forma de estar no poder autárquico; haverá diferenças entre os dois, sem dúvida, mas estou em crer que a maior de todas reside no modo como eles se movem pelos corredores do poder central…
Oliveira do Hospital, a cidade, está “enferma”, faz que anda, mas não tem força anímica para “se mexer”; Arganil, a vila, “com alguma saúde”, dá passos seguros. Podem não ser suficientes, mas caminha…
Bem vistas as coisas, estou agradado com as notícias da “ Comarca” – sempre é a “minha terra” a fazer pela vida.
E os oliveirenses, que dirão? Pelo apanhado dos comentários inseridos na “notícia de última hora” do “Correio da Beira Serra” sobre Arganil, que vai passar a ter um destacamento territorial da GNR, com a coordenação de cinco postos territoriais, anda por ali (nos comentários) raiva da grossa, o que não admira…
- “Pois sim, e o pólo universitário, que Arganil um dia imaginou ser possível no seu território”? – argumentará o “nosso” presidente da Câmara.
Se isso tivesse acontecido, pelo andar da carruagem, a esta hora já a “filial” do Politécnico de Coimbra teria instalações novas em folha! Por cá…logo se vê, porque há outras prioridades, como o parque de estacionamento subterrâneo…
“Valha-nos” isso.

O candidato


À distância de um ano das várias eleições que hão-de acontecer por cá, começo a deitar contas às cruzes que irei rabiscar nos boletins de voto, principalmente naquele que trará inscritos os nomes dos candidatos a administrar o “meu” concelho em nome do povo, de que faço parte.
As Juntas e a Câmara do meu “sítio” bem merecem lideres de uma só palavra, com pergaminhos à lapela para que se saiba quem são e de onde vêm, mas…
Imagine-se a responsabilidade do meu (e do vosso!) gesto no momento da escolha!
Ainda mais distantes no tempo, os candidatos traçaram estratégias de vitória. É justo que o tenham feito. Com actos e palavras, cada um usará as suas melhores armas – cuidado com os bumerangues, que retornam à mão de quem “dispara!” – depois se saberá se foram suficientes…
Por ora, nada consta nos bastidores dos partidos políticos sobre candidaturas femininas, o que é uma pena.
Entretanto, diz-se à boca pequena, que um dos concorrentes é actor de teatro ”bufo”, o que me agradou sobremaneira, porque tenho imenso respeito por quem se assume no estilo, composto de trocadilhos, ironias e tudo o mais que possa constar do cardápio dos actos cénicos.
A memória tem os seus dias para ser folheada e hoje não é um deles, daí que, por mais voltas que dê à “enciclopédia”, não recordo nomes de actores portugueses que tenham passado a políticos com algum sucesso, embora Nicolau Breyner tivesse andado perto de o conseguir em Serpa, onde nasceu. Lá por fora, da Cicciolina, eleita para o parlamento italiano em 1987, a Ronald Reagan, presidente dos EUA entre 1981 e 1989, há imensa gente que viajou da arte do entretenimento para a política
O nome mais sonante em exercício é, sem dúvida, Arnold Schwarzenegger, que passou parte da sua existência como actor a distribuir “mimos”e pancada, mas também foi “saco de boxe” noutras ocasiões.
Claro que não há qualquer semelhança entre o candidato/actor de teatro “bufo”e este ex – “mauzão”, à excepção do “saco de boxe”!
Numa alegoria com este desporto, gabo (ao candidato/actor) a coragem com que “encaixa”, amiudadas vezes, socos e “ganchos” da esquerda e da direita, sem queixumes mas com acrimónia., insiste em provocar, é satírico, arrogante e gosta de dizer “coisas”,
Decididamente, não é o meu candidato.
Bem, ainda estamos no campo do “eventualmente”, mas pelo sim pelo não, aqui fica a minha intenção de voto, à semelhança do “Obelix” / Gérard Depardieu numa passagem de um dos seus filmes.
Um dia, este actor disse que adora o excesso nos filmes, como na vida. Adora a tragédia, adora a comédia, adora ir ao extremo ainda que seja ridículo, e se tanto ridículo, tanto melhor (…).
É bonito saber que Depardieu assume a arte de representar nestes parâmetros, digamos…”filosóficos”.
O candidato/actor de teatro “bufo” é fiel seguidor da filosofia do “colega” francês, mas guarda segredo nas palavras…