terça-feira, 12 de maio de 2009

Rosas de Outono

O frio deste Outono ainda não foi bastante para que os campos se cubram de um manto branco onde morrem os últimos botões das minhas roseiras.
Aprecio sobremaneira o tom vermelho-escuro das rosas que crescem no meu quintal no tempo próprio, não agora, que nascem tardias, quase a medo... não vá a geada uma noite destas reduzi-las à lembrança da Primavera, o que acontecerá mais cedo ou mais tarde.
Um dia destes trouxe do jardim uma dessas rosas de Outono com a intenção de a colocar num solitário, como sempre faço – um luxo a que me dedico com inusitado prazer. Dada a fragilidade das pétalas, coloquei-a com muito cuidado no banco do "pendura" e fiz-me à estrada sob chuva forte. Os pensamentos teriam pouco sentido porque concentrava a atenção no tráfego, apesar de pouco intenso.
Na "estrada real", próximo do "sítio do costume", disse de mim para mim: "com este tempo, não há rameira que aguente a espera de eventuais interessados na aquisição dos seus serviços"! Puro engano. Depois de uma curva, na berma da estrada, uma figura feminina, esguia, de mini-saia, acoitava-se sob um guarda-chuva. Do outro lado estava outra, sujeita ao mesmo desconforto. Travei suavemente, o carro continuou a marcha mais devagar, e, ao passar por aquela que estava estática junto à minha faixa de rodagem, cruzámos os olhares por breves segundos - tempo suficiente para outra decepção: "mais um que se limitou a olhar ", terá dito para com os seus botões.
Que "estórias" não teriam estas mulheres para contar, se lhes fosse pedida justificação para a entrega a profissão de riscos anunciados, morais e físicos? Creio que as carências económicas vinham à cabeça de uma lista com outros itens por demais conhecidos, mas pouco aceites pela sociedade, que usa o prazer mórbido da rotulagem depreciativa como elas o fazem com o corpo: de forma rotineira.
A mulher com quem cruzei olhares tinha o rosto gasto pelo peso dos anos e, naturalmente, dadas as circunstâncias climatéricas, não estaria com a melhor das disposições para se enfeitar com um sorriso; por isso, talvez não conseguisse atrair cavalheiros interessados no negócio do prazer. Então, como num escaparate, expunha o que de melhor tinha para o enlevo da vista: duas pernas roliças e elegantes para excitar a cobiça. Infelizmente, naquele dia, até o tempo fazia cara feia… Que ninguém me peça opinião sobre este modo de vida, porque, no meu jeito grave e solene, quando é caso disso, opinaria: sendo a prostituição uma realidade reconhecida como a profissão mais antiga da Humanidade (?), por que não obrigar estes agentes do sexo ao seu exercício no recato de quatro pareces e em condições de higiene e segurança? Dirão os eventuais leitores que os hábitos (não) fazem um monge, que isto é prática comum em qualquer parte do mundo, sempre assim foi e continuará a ser – é verdade, mesmo assim não altero o meu "sentido de voto".
Não se discute a "qualidade e a competência das intervenientes" e muito menos se fará a apologia do chamado sexo de luxo nesta croniqueta despretensiosa – sexo é sexo, seja ele praticado no requinte de um quarto de hotel, ou debaixo de um tecto de miríades de estrelas, ao ar livre. As condições de conforto, higiene e segurança, é que mudam - do pormenor do romantismo dos lençóis de seda a outros requintes a preceito, para que o negócio se assemelhe a um acto de amor.
Regresso à rosa da minha companhia, durante a viagem. Embora frágeis, as pétalas mantiveram-se harmoniosamente juntas.

"Um Almoço de Negócios em Sintra" - Gerrit Komrij

Terminei a leitura de um livro excelente, pela qualidade da escrita e das “estórias” que, no todo, retratam o povo que fomos num passado não muito longínquo. Apesar dos ventos que vão soprando algum progresso, estas cento e sessenta páginas de prosa ainda reflectem um pouco do povo que somos – tão actuais em certos casos e situações, que me revejo em algum lugar onde oito anos de distância pouco ou nada acrescentaram às imagens que o autor retratou com mestria.
"Um Almoço de Negócios em Sintra", "é um retrato em corpo inteiro de Portugal e dos portugueses…" à data da primeira edição; antes, já o autor deambulava por aí de olhos bem abertos, por isso não é de estranhar a sua perspicácia na análise de hábitos e costumes enraizados na vivência de um povo.
Gerrit Komrij, escritor, poeta, ensaísta e tradutor, holandês pelo nascimento, é "oliveirense" adoptivo. São da sua lavra as estórias reais que verteu para esta obra, editada e reeditada em 1999. Possivelmente, o livro está fora do circuito comercial, por isso não há intenção de levar eventuais leitores à sua aquisição, o que não seria de todo inútil, confesso, porque a leitura de "Um Almoço de Negócios em Sintra" talvez contribuísse para cada um de nós esboçar, pelo menos, o seu auto-retrato. Estou certo que encontraríamos "pontos comuns" com algumas figuras ali descritas, não nos pormenores estéticos, mas perfeitamente identificados nas personalidades recebidas por herança e das quais não nos conseguimos libertar, vá-se lá saber porquê (ou sabemos?).
Gerrit está, no livro, contra os senhores dos guichés das repartições públicas, (e eu também - estamos todos!) porque, como relata, "muito nas calmas, vão cavaqueando…"; salienta, pela negativa, a enorme burocracia de que somos vítimas, e dos bucólicos e ronceiros carros de bois (ainda circulam por aí?) poetiza uma imagem simpática, mas não compreende "o que é isso de existir uma alma portuguesa", talvez fatalista - tão fatalista como a força do fado que não consegue definir. É – escreve – sentimental de alto a baixo, sem nunca ser vulgar.
A aldeia onde mora o "nosso conterrâneo","... é muito carente..." mas o presidente de Junta de Freguesia (naturalmente, o livro no seu todo ou em parte foi escrito por altura de eleições autárquicas) não se cansou de fazer promessas "eleitoralistas"! "Veremos se cumpre, sobretudo o alargamento do cemitério", mas Gerrit sugere ao eleito: "... à menor lufada de vento, falta a electricidade. Dez, doze vezes, por minutos ou por umas horas. O senhor presidente da junta bem poderia pedir um reforço do distribuidor local".
Hoje como ontem, afinal…
O incumprimento de horários é outro dos aspectos do retrato de ser português…
As casas "tipo maison" também não passaram despercebidas ao seu olhar, e um dos capítulos é inteiramente dedicado à "fealdade com que Portugal está salpicado".
Singelas citações da obra servem, tão só, para se ficar com uma ideia do manancial das observações descritas - algumas incomodam pela irreverência do conto, mas certo sentido de humor adoça a prosa.
Poderia "surripiar" do livro outros apontamentos interessantes, mas como estão inseridos em determinados contextos, seria pura especulação o acto em si. Fica, porém, o conselho: se tiverem oportunidade, não deixem de saborear as "estórias" deste "Almoço de Negócios em Sintra". O País que temos caminha em velocidade cruzeiro, de facto, mas lá vai fazendo pela vida e nem tudo está como era dantes, felizmente. Hoje, Gerrit Komerij escreveria este livro?
...
Gerrit Komerij é uma das figuras mais marcantes da vida intelectual holandesa. Em 1993 foi-lhe atribuído o prémio P.C. Hooft de Ensaio, um dos mais importantes galardões literários do seu país. É autor de mais de meia centena de obras literárias e contabiliza uma mão cheia de prémios prestigiantes; em 2000 foi eleito pelo público para ser o Poeta da Nação (Holanda), estatuto que é atribuído por um período de cinco anos. Vive em Vila Pouca da Beira desde 1984.

"Coroa de espinhos"


As margens do rio, que corre aos pés da minha aldeia serrana, enfeitam-se de flores amarelas mal a Primavera acorda de meses de sono revigorante.
De menino lhe soube o enfeite e o aroma, perto do Urtigal, mas nem precisava de percorrer os caminhos enviesados que ainda nos levam àquele pedaço de paraíso, porque à porta da minha casa, do outro lado da rua, o panorama é exactamente igual, sobretudo agora, com a quinta do Chiado votada ao abandono, a Mimosa encontrou terra fértil e cresce sem rei nem roque. Selvagens ou não, pouco me importa, gosto daqueles cachos de um amarelo vivo, e só eu sei como me atraem no tempo próprio; depois, sim, as árvores desfeiam no tom verde-escuro e não lhes dou atenção.
A Mimosa, pelo que sei, tem no Homem um inimigo acérrimo, e não é para menos: ela escorre por montes e vales, invade propriedades menos cuidadas, e se não houver tento, é bem capaz de, ilegitimamente, fecundar terra de cultivo. Portanto, o Homem, no seu estimado interesse, mata-a mal começa a crescer aqui e ali, a medo, com duas folhinhas rendilhadas à procura do Sol que as fará crescidas na direcção das estrelas.
Uma das variedades da família das Acácias, oriunda da Austrália segundo os entendidos em Botânica, a Mimosa que conheço, a dada altura, passou a fazer parte da minha vida pela simbologia que trouxe ao imaginário dos rituais Maçónicos, com um deles, segundo a lenda, eternamente ligado à morte do Mestre Hiram Abif.
Sem mais pormenores que não vêm a propósito, fica, pelo menos, a assunção daquilo que sou, para que se entenda que há conhecimento mais lato…
Na busca do que é justo e perfeito, fiz da expressão grega Akakia código de namoro, visto ser usada (a expressão) para definir qualidade moral, inocência e pureza de vida, e juntei-lhe a portuguesa Mimosa para reforçar a sensibilidade e a ternura do encantamento, como é a festa sempre anunciada do nascimento de Jesus - em si mesmo um acto de Amor, intenso e unânime. A criança que "está para nascer" vai ter a sua existência nefastamente ligada a uma das seiscentas espécies existentes, a acácia espinhosa, segundo alguns historiadores, que acreditam ter sido a coroa de espinhos com que os romanos coroaram Cristo antes da sua morte, feita de um ramo desta árvore, considerada sagrada pelos egípcios e outros povos. A Bíblia é, aliás, rica em alusões à madeira da acácia; por ser dura e duradoura talvez tenha servido para construir a Arca (de Noé) e a Mesa da Última Ceia de Cristo…
Li bastante sobre o tema, daí a liberdade com que me arrogo para especular: sendo a acácia considerada árvore sagrada, como interpretar então o gesto dos soldados romanos em relação a Cristo? Um acto de crueldade, de sentido burlesco, ou será que alguém, conhecedor da simbologia da acácia, induziu a soldadesca a usar este tipo de ornamento? A coroa de espinhos foi colocada na cabeça de Jesus com a intenção de fazer troça, como a Igreja Católica salienta?
Esta relação entre a acácia espinhosa e Jesus Cristo talvez tivesse mais sentido lá para Abril, a propósito da Páscoa. Mas, se a Ressurreição é a festa do "renascimento" de Jesus, não é de todo descabido associar "o nascimento e a morte do Rei dos Judeus" num texto de jornal, que nem croniqueta é – apenas um devaneio, a que me propus. Agora, o que importa é o tom de festa pela alegria do nascimento de Jesus Cristo.
Entre hossanas e cânticos pagãos, o Natal, sem termos muito bem a consciência de como tal é possível, na sua essência representa um tempo de paz e fraternidade que nos toca de perto, mesmo aos não crentes, na História de um menino que, pela sua conduta, revolucionou a Humanidade.
A interpretação simbólica e filosófica da Acácia, na Maçonaria, lembra o lado espiritual que existe dentro de nós, daí esta associação de ideias e ideais, face aos "mistérios" onde me revejo sem ambiguidades.
Quanto às flores com que me deleito, espero pelo seu "nascimento", lá para Março.