terça-feira, 20 de outubro de 2009

O “canto do rouxinol”

Fim de tarde, o rio Alva corre manso a caminho do abraço que há-de trocar com o Mondego, perto de Penacova, e eu mantenho-me por ali, junto à ponte, tentando descobrir num dos ramos do salgueiro o rouxinol que me encanta com os seus trinados. Deve estar camuflado, o cantor, porque não lhe ponho a vista em cima, mas adivinho-lhe o colorido das penas, em tons de castanho.
Ainda era primavera, e nem imaginava que, tempos depois, a coberto da partilha da ideologia política, cruzava os passos com “outro rouxinol”, de carne e osso, alegre nas palavras e nos gestos, afoito nas ideias – um quase revolucionário para as gentes da “nossa” serra, direi eu.
Se encontrarem por aí um rapagão cinquentão, de mochila às costas, é ele, o “Rouxinol”, por momentos em descanso dos cliques a que obriga a máquina fotográfica, levando-a a copiar sorrisos, lágrimas, montes, vales, terras de pousio, riachos, ribeiras, o horizonte… e o resto que uma exposição pública há-de mostrar outro dia.
O “Rouxinol”é um artista e tem o “ninho” em Pomares, freguesia que o acolheu, na companhia da esposa, de braços abertos, a tempo de ser útil à comunidade após a reforma. E não foi de modas: vai de concorrer às últimas eleições, adiantando sonhos e uma vontade enorme de chegar ao Piódão, a partir de Pomares, por uma estrada digna e capaz de levar (e trazer...) as pessoas à serra com segurança.
É bom de ver que o “Rouxinol” queria (e quer!) fazer da sua freguesia uma espécie de entreposto turístico; gabei-lhe a ideia e acompanhei-o nos sonhos, sobretudo durante a mostra fotográfica que fez questão de inaugurar na companhia de largas dezenas de amigos na sua sede de campanha – coisa pouco vista, a nível de candidaturas, nas freguesias do meu concelho.
Contados os votos, o “Rouxinol” não obteve os suficientes para dar corpo às ideias que dançaram por entre as palavras de circunstância no “porta-a-porta” em Agroal, Porto Silvado, e nas restantes povoações que compõem a freguesia de Pomares. Mesmo assim, não perdeu o “pio” e diz que não abandona a ideia de ter o Piódão “mais perto”!
É de força, o António, “Rouxinol” de Pomares”!
Graças a homens de rija têmpera, sonhadores como o “Rouxinol”, nesta campanha eleitoral foi possível viajar por estradas com razoável piso, mais perto do céu, com os novos moinhos de vento no horizonte, a caminho da Fórnea e da Malhada Chã. O amigo João Luís, cicerone da serra, que conhece a palmo desde o tempo dos rallys, levou-me mais longe e fez-me subir mais alto, ao Monte do Culcurinho – 1250 metros de altitude! – para vista deslumbrante!
A capela da Nossa Senhora das Necessidades continua firme no cume; naquele dia, o sol beijava o altar, o frio era intenso, e foi no aconchego do resguardo da antecâmara da entrada que recordei (com dose dobrada de inveja…) os doidos que certa vez lançaram o desafio de ir com eles desfrutar o nascer o sol ao Culcurinho! Reconheço, de facto, que o “mundo visto dali”, é lindo!
Agora, sou eu o maluco, e se o meu cicerone habitual não estiver disposto a tanto, lanço o repto ao meu novo amigo António “Rouxinol” e à sua “Cannon” (?), com lentes de não sei quantos megapixéis, e havemos de “roubar” os tons do sol a crescer…a crescer…a crescer por detrás da “nossa” serra!
Cá por coisas, vou tomar nota de um”pormenor” para a viagem:
- Não esquecer de triplicar os agasalhos, incluindo a carapuça de lã.

sábado, 11 de julho de 2009

As saudades são como as cerejas


O Agrupamento de Escolas da Cordinha, agora que terminou o ano lectivo, tem menos movimento. Os alunos estão de férias, não há o “chilrear” das crianças a propagar-se à distância, mas nem por isso deixam de “marcar presença” por tudo quanto é sala, átrios, corredores e recreio – é assim que “vejo e sinto” a escola quando deambulo no espaço reservado à exposição dos trabalhos executados pelos jovens.
“Apeteceu-me” ter saudade quando manuseei as folhas A4, com arte nos textos, desenhos, e nas várias técnicas de colagens. Nesse tempo de visita, pouco mais de um quarto de hora, a nostalgia tomou conta da minha sensibilidade, a ponto de confundir este sentimento com outro, meio-irmão, conhecido por saudade; embora diferente, tem mais força do que a nostalgia (estou de acordo com Milan Kundera), e esta, que é a minha saudade, fez com que recuasse ao passado, à infância.
Uma das prerrogativas de quem guarda memórias é isso mesmo: poder ter saudade de qualquer coisa, de alguém, de um tempo. Se ouço um fado de Coimbra – um que seja! -tenho saudade das serenatas que, durante um ano lectivo, me libertavam do sono, noite após noite, porque tive a sorte de morar num apartamento paredes-meias com outro, onde havia uma república feminina – era por elas, as residentes do segundo andar, que os estudantes faziam trinar as cordas das guitarras e sobressair as vozes potentes, entoando melodias românticas: eles, “perdidamente apaixonados”; elas, “…bate, bate coração/ louco, louco de ilusão…”, quais Cinderelas, que o Paião havia de imortalizar anos mais tarde.
Algumas pessoas, como o Paião, deviam ser eternas, não pelas memórias que guardamos de si, mas “vivinhas da silva”, em carne e osso, para podermos, nós e as gerações seguintes, usufruir do seu talento. Agora, por exemplo, “apetece-me” ter saudade do Elvis Presley e da sua música Gospel com que enfeitei a minha juventude. O Elvis nunca deveria ter “entregue a alma ao Criador”, porque, depois dele, foi o vazio; apareceram cópias sem importância de maior, porque o “rei”, na verdade, era – e continua a ser – “único”!
Na semana que passou, foi a vez do divino Michael Jackson “abandonar o barco” sem um adeus! O choque foi brutal, até para mim que sou mais Elvis do que Michael, e muito mais Paião do que os outros dois.
Com a morte a ceifar vidas de pessoas imortais antes do “tempo”, fica um amargo na boca, misto de nostalgia e saudade, e não serão as estátuas de cera, os filmes, as fotografias, os temas musicais que deixaram para a posteridade e as estórias das suas vidas privadas que compensam a ausência definitiva dos génios…
-“Foi desta para melhor” – li algures, a propósito do Michael Jackson.
Como nada sabemos sobre o que acontece para lá da morte, pelo sim pelo não, o melhor é ter um certo estilo de fé, como esse de “ser melhor do que este (mundo) o sítio para onde vamos” – vamos mesmo?
Porque citei o Carlos Paião, “apetece-me”, também, ter saudades dele por razões que vão para além do talento do músico, letrista e intérprete. Por exemplo: ser adepto ferrenho/doente do Benfica, (eu também, mas nem tanto…); a outra, deveras importante, porque nos ligava uma certa amizade – e aos amigos, francamente, nunca se vira as costas sem mais nem menos – foi o que o Carlos fez, e isso deixou-me “chateado”…
…Já se sabe que as saudades, quando arrumadas num cestinho, são como as cerejas: atrás de umas, vêm outras.